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As pessoas são melhores se descobrirmos o que nelas há de melhor. A sociedade torne-se melhor se as pessoas forem niveladas por cima.

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As pessoas são melhores se descobrirmos o que nelas há de melhor. A sociedade torne-se melhor se as pessoas forem niveladas por cima.

Homicidas somos nós, não a mãe

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Todo o Chefe tem associada a si uma aura de divindade. O Chefe tem necessidade que o considerem como deus e os chefiados reconhecem-no como tal, em maior ou menor medida. Se o Chefe não fosse divino, as suas ordens injustas ou desonestas não seriam cumpridas, mas são-no na generalidade dos casos. É o célebre alibi dos nazis após a quase destruição da civilização e da Humanidade:

- Eu era subalterno e tinha que cumprir ordens.

Mesmo que a ordem fosse renegar-se como pessoa.

O meio através do qual o Chefe se impõe e à sua divindade é a lei que ele desenha e faz cumprir. A lei assume o papel de livro sagrado que permite ao Chefe realizar e divulgar a sua divindade.

Em diferentes medidas, aconteceu com os imperadores romanos, mas com todos os outros imperadores, e outros soberanos, com os donos, com os patrões, com os chefes de gangues, com todos os tiranos de Staline, a Hitler, a Mao-Tsé-Tung, a Kim Jong-un, a Bokassa.

Quando é publicada uma lei a proibir ou a obrigar seja o que for, por mais estúpida e injusta e contestada que essa lei seja, as pessoas vão-na interiorizando e aceitando, mesmo que teçam algumas objecções e façam críticas, de início.

As pessoas detestavam a Inquisição e temiam-na, mas acabavam tantas vezes por colaborar na denúncia de amigos, vizinhos e familiares.

As grandes campanhas que têm sido desenvolvidas para modificar mentalidades, normalmente corrompendo as pessoas, revestem o mesmo estatuto do Chefe e da sua lei.

A lei decreta que em Singapura é crime atirar beatas para o chão e no Ocidente apenas sorrimos, tão idiota que achamos o assunto, nem dá para discutir.

Mas se num país da Europa, é decretada uma lei idêntica, as pessoas começam a reagir de maneira diferente. Podem pensar que é uma lei sem pés nem cabeça, que é injusta, que favorece interesses, mas vão-se habituando a respeitar essa lei, como se fosse honesta e moral. Tal como sucedeu nos Estados Unidos da América com a Lei Seca. Era lei, portanto, embora não a cumprindo, a sociedade submeteu-se-lhe. Embora, como tudo o que é contranatura, tenha terminado um dia.

Uma jovem sem-abrigo, sem escolaridade, sem cultura, sem ter aprendido a pensar, sem ser capaz de formular raciocínios, sem família, sem dinheiro, sem aulas de educação sexual, sem nunca ter recebido Amor, sem conhecer o Amor, percebe que o seu corpo está a sofrer modificações radicais. Percebe o que se está a passar mas não quer acreditar. O seu cérebro não é capaz de processar a informação do que lhe está a acontecer ao corpo, porque se sente agredido e encurralado: não tem resposta para o que se está a passar. Só consegue formular rejeição. Aquela invasão tem que ser eliminada, expulsa. É preciso evitar a contaminação por este vírus, porque ele não causará apenas uma indisposição ligeira, uma gripe, mas um compromisso para a vida inteira, uma crise aguda de amor, para a qual a jovem nunca se preparou nem foi preparada. Seria a derrocada total do seu ego.

Mal aquele corpo estranho é expulso das suas entranhas, ela nem percebeu bem como, trata de o eliminar completamente da sua vista. Que alternativas se lhe poderiam colocar? Vesti-lo? Com quê? Alimentá-lo? Como? Enfaixá-lo? Com quê e onde? Deitá-lo? Debaixo da ponte, ao frio? Amá-lo? Ninguém lhe tinha ainda ensinado o Amor.

A solução óbvia é “bebé para o lixo” e caso arrumado.

Felizmente, o bebé foi ocasionalmente descoberto. Seria fortuita a descoberta ou manobra salvífica? Foi salvo. Toda a comunidade indignada com tão grande crime se mobilizou na caça ao homicida. Todos indignados e sem entender como era possível tão grande manobra de ódio, tão horrível crime.

O bebé foi salvo e entregue a cuidados de saúde.

A caça à mãe foi bem sucedida.

Eu pensava que pessoas capazes e com autoridade social iam conversar com a mãe para entender as suas razões e ajudá-la a recuperar do trauma e a sentir-se mãe e a descobrir o amor. Ensinar-lhe que havia opções como ter recorrido a algum centro de acolhimento, parir o bebé num hospital público e declarar que não o queria ou podia criar. Tantas hipóteses para quem sabe, para quem aprendeu, mas não para quem foi criado na rua, cresceu na rua e vive na rua.

O que aconteceu foi bem diferente. A mãe foi detida, como qualquer delinquente, em prisão preventiva.

Provavelmente, homens e mulheres envolvidos na sua captura, acusação e detenção são pessoas que já estiveram envolvidas em abortos. Que idade tinha o bebé depositado no contentor de lixo? Que idade teriam os eventuais bebés abortados por aquelas pessoas?

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O governo fez uma lei a autorizar o aborto, fingindo que essa lei resultava de um referendo nacional, o que é falso. O referendo não foi válido porque os portugueses demonstraram não estar interessados nele. Não houve um número de votos mínimo para validar o referendo. A lei do aborto pode ser revogada a qualquer momento.

A jovem mãe detida tem que ser colocada em liberdade imediatamente. Tem que lhe ser facultado acompanhamento, a ela e ao filho, se ela estiver disposta a acolhê-lo, se for ensinada a amar, se entender o seu erro. Se não acontecer, então a criança seja entregue a quem cuide dela, sempre na perspectiva de que a melhor solução poderá passar pela normalização da relação com a mãe, se isso vier a revelar-se possível.

O aborto é legal, é bom, é livre, é um direito da mulher, assim se ensina na escola. E como vimos de início, quando uma situação é feita lei, passa a ser acatada pelas pessoas como moral, natural e óbvia. O homicídio de bebés intra-uterino é legal, é bom, é livre, é um direito da mulher, assim se ensina nas escolas.

Para uma mulher de vida miserável e sem soluções, o aborto, uns dias depois, é crime.

Penso nos médicos que são acusados de mau trabalho na realização de ecografias que não identificam deficiências, impedindo que esses corpos sejam abortados. Uma mulher queixava-se há dias na televisão que o seu irmão morreu aos 18 anos (ela conviveu com ele 18 anos!) morreu por causa de um problema congénito. Atribuía a culpa ao médico da ecografia, porque assim o bebé (o irmão com quem conviveu 18 anos) não foi abortado.

Mais miserável que a coitada, somos nós, Nação, que em vez de a socorrermos, lhe passamos uma rasteira e a empurramos para a lixeira, sem querer saber se vai sobreviver, se vai morrer, se vai suicidar-se (se for eutanásia, também será legal).

Defender o aborto, ou praticá-lo, e acusar esta mulher, é cobarde, é indigno, é anedótico.

Eu exijo para ela o direito a ser amada e compreendida e ajudada. De certeza que para seguir com a sua vida não precisa dos milhões que ladrões recebem do Estado. Apenas uma pequena ajuda. E muita proximidade humana.

Há nisto tudo uma culpa cristã por não termos coragem de repetir as palavras dos Apóstolos: “É preciso obedecer antes a Deus que aos homens”.

 

Orlando de Carvalho