Fogo em Alcafache
Foi a 11 de Setembro de 1985, às 18h 37m, que dois comboios chocaram de frente, em Alcafache, dando origem ao maior desastre ferroviário até hoje em Portugal.
Uma série de erros humanos e a inexistência de meios de comunicação com os maquinistas levou a que mesmo depois de se saber que os comboios corriam, cada um em direcção ao outro, se pudesse evitar a tragédia.
Os comboios chocaram a alta velocidade, de frente, elevando a temperatura a mais de mil graus Celsius. Derreteram as carruagens e derreteram os cadáveres.
Nessa noite, nas televisões, ainda a preto e branco, surgiu o jornalista Rui Romano que deu a notícia a chorar no ecrã da televisão de cada um de nós. Falou na possibilidade de mais de 600 mortos.
A revolução do 25 de Abril tinha acontecido há mais de onze anos, mas a censura permanecia e a glasnost ainda estava para vir.
Rui Romano desapareceu dos noticiários da televisão.
O Ministério da Justiça deu ordem para que todos os mortos não identificados fossem enterrados em vala comum, naquele mesmo local, menos de quarenta e oito horas passadas desde o choque dos comboios. Mais tarde seria construído um monumento sobre os cadáveres ou partes de cadáveres depositados.
Mário Raposo era o Ministro da Justiça do IX Governo Constitucional chefiado por Mário Soares.
O número oficial de mortos foi de 49!
Algumas pessoas foram consideradas desaparecidas.
Uma vergonha.
Regozijaram as seguradoras, porque não havendo mortos (só 49!) não havia indemnizações a pagar.
Não havia registo de passageiros. Alguns viajavam de pé.
O julgamento deste caso foi sucessivamente adiado por falta de comparência dos implicados, ora um, ora outro. Um dos chefes de estação reformou-se e outro demitiu-se. O caso prescreveu em tribunal e o chefe que se tinha demitido foi readmitido.
Foi um caso muito semelhante ao do Cais do Sodré ao modo como a informação foi ocultado do público, as seguradoras e a CP foram ajudadas pelo Estado a não pagar as indemnizações devidas. A queda das estruturas no Cais do Sodré foi no tempo de Salazar, o choque em Alcafache foi no tempo de Mário Soares.
Quem se lixa é sempre português, mas o português do povo, a gentinha, aqueles homenzinhos e aquelas mulherzinhas a quem não chega a democracia nem a justiça.
Viva Portugal!
Orlando de Carvalho