Avós caducos
A partir da década de 1960 acentuou-se uma tendência de compartimentação das gerações dentro da família que já vinha de há muito tempo. A instabilidade social da época da Revolução Industrial, as migrações provocadas pela fome generalizada na Europa, os movimentos marxistas e os existencialistas relegaram os avós para um degrau fora do alcance da restante família e o mesmo aconteceu também aos mais novos, os netos desses avós e filhos da população activa, nome descoberto para caracterizar a geração do meio, a verdadeira responsável por toda esta desagregação.
Eclode a expansão dos lares para a terceira idade, que não são em muitos casos um auxílio para a família, mas um modo de responder ao tamanho das casas, que diminuiu, ao facto de todas as outras pessoas da casa terem imensas actividades. Para avaliação do verdadeiro sentido destes lares temos de ter presente a quantidade de casos de idosos que são depositados sob os mais diversos pretextos em hospitais em alturas que costumavam ser de festa familiar, o Natal, a Páscoa, e também as férias de Verão.
O importante papel que estas instituições desempenham em tantos casos não pode impedir-nos de encarar o lado talvez mais esquecido ou oculto que é a de serem usados como antecâmara da morte. O empenho de tantas pessoas novas e saudáveis nos movimentos pela eutanásia não devem deixar dúvidas.
Entretanto surgem estudos de universidades que concluem muito doutamente que as crianças educadas pelos avós ou que ficam à guarda dos avós são prejudicadas em relação às que frequentam creches e jardins de infância. Estudos desses que as multinacionais compram e que as universidades e os académicos fornecem para ganharem algum dinheiro; estudos que são meras dissertações com carácter de marketing.
Entretanto, os mais velhos parecem ter ganho vida nova em consequência dos avanços da medicina, mas também em consequência de uma maneira diferente de encarar a vida, também beneficiados por novos esquemas de reformas sociais e aposentações.
Para muitos idosos, os lares deram lugar a universidades da terceira idade e mais tarde a terceira idade começou a acabar sendo substituída pela idade sénior. Já ninguém quer ser velho, idoso ou da terceira idade, passaram todos a seniores.
Sou professor neste recente tipo de universidades e apercebo-me de uma recuperação do papel dos avós nas famílias. Os meus alunos escolhem os horários, no início do ano lectivo, em cada ano, em função dos horários dos netos que têm de ir buscar ou levar às escolas que eles frequentam. A assiduidade destes meus alunos mais velhos está essencialmente dependente das suas consultas e exames médicos, de facto, e da assistência que dão aos netos. Felizmente, muitos destes meus alunos, estão também dependentes de outros tipos de apoio que dão à família. Enternece-me o amor que transparece em tantos deles: homens de oitenta anos que cuidam das esposas doentes e organizam as suas vidas, e a participação nas actividades da universidade, em função da assistência que dão às esposas; mulheres que têm em casa maridos vitimados por AVCs e outras doenças incapacitantes e conseguem manter-se jovialmente vivas na participação e no convívio académico, em afazeres domésticos e no acompanhamento aos seus companheiros. Uns e umas sem considerarem peso o cônjuge, mas como óbvia a assistência que prestam. Também os que apoiam os netos não se queixam, mas encaram as suas situações como naturais.
Parecendo há umas décadas atrás que os velhos não prestavam para nada, aqueles que conheço não têm tempo para discutir eutanásias. São pessoas ocupadas. Não são avós caducos, mas pessoas válidas que prestam os mais diversos tipos de serviço social e familiar.
Orlando de Carvalho