Salazar cometeu alguns erros estratégicos a par de medidas de inegável importância e valor. Quando Salazar assumiu o controlo total do governo, o país estava completamente destruído, sem dinheiro, numa anarquia, as ruas, por vezes, pareciam os filmes sobre a actividade da Máfia em Nova Iorque, com tiros e mais tiros. O povo queria paz e tranquilidade e a garantia de pão, pelo menos. Salazar não satisfez políticos, intelectuais, nem burguesia, os sindicatos ou o patronato, menos ainda estados estrangeiros, mas foi ao encontro do interesse verdadeiro das famílias.
Os seus grandes erros estratégicos foram a falta de previsibilidade das consequências da manutenção de um estado autoritário e o exercício desse autoritarismo quando já não era previsivelmente justificado. Este erro estratégico tornou-se em erro grave político e governativo que acabou por levar à falência do governo, não financeira, mas do ponto de vista do apoio popular.
Não é possível saber qual seria o resultado de um referendo nacional no dia 24 de Abril de 1974, mas ele não foi feito e quem perdeu foi o Estado Novo que não tomou providências para que tivesse sido realizado. Um referendo honesto, claro está.
Após o 25 de Abril, a fortuna que Salazar tinha amealhado para os cofres do Estado, e de que não há notícia que ele tenha beneficiado, foi desbaratada pelos sucessivos governos e desgovernos. A ponto de o Estado ter falido e ter necessitado de recorrer à ajuda externa para evitar a concretização dessa falência.
Quando a fortuna herdada do Estado Novo já estava toda gasta, Portugal desfrutou de uma segunda oportunidade que foi a União Europeia. Portugal aderiu e recebeu uma quantidade de dinheiro que deve ser difícil quantificar em toda a sua extensão, mas que chegou a ser de milhões de euros por dia.
Tal como durante o PREC, os governos, com relevância para os de Cavaco, desbarataram essa fortuna que entrava pelas fronteiras sem que fosse necessário trabalhar para isso. Ao contrário de Salazar, Cavaco não precisou de realizar uma governação política para amealhar, porque o dinheiro entrava e continuava a entrar. Ao contrário de Salazar, Cavaco não encheu os cofres do Estado, mas deixou que instituições fantasmas recebessem esse dinheiro e que alguns, muitos, privilegiados tivessem oportunidade de sacar desonestamente esse dinheiro. Para o país ficaram as estradas, como no tempo de D. João I, embora depois se verificasse que as auto-estradas afinal não eram do Estado, mas de concessionárias que ajudavam a arruinar o Estado.
Sucederam-se governos e ministros e o Estado conseguiu receber enormes quantidades de dinheiro da União Europeia, que continuou a gastar em auto-estradas, submarinos, TGVs, destruição dos olivais, das frotas, da agricultura. Felizmente a central nuclear de Soares não conseguiu triunfar e não passou de projecto.
As empresas que engordavam e sustentavam em parte o Estado foram vendidas a estrangeiros. Estes compradores normalmente não têm interesse nestas empresas e despedem os trabalhadores, num processo que pode demorar meses ou anos, e depois fecham a empresa para vender os produtos de outras empresas que possuem fora do país e que são concorrentes ou transferem a empresa portuguesa para o estrangeiro. Aconteceu a todas as fábricas de chocolate, Regina, Favorita, Aliança, e tantas outras, aconteceu às cimenteiras, aos bancos, à TAP, à PT, aos Correios, às produtoras e distribuidoras de energia eléctrica, e tantas e tantas outras empresas, estando as restantes empresas que alimentam ainda o Estado em fila de espera, com a CGD na frente.
Sócrates protagonizou o descalabro do PREC no século XXI.
O governo de Passos e Portas fez algo parecido mas fundamentalmente diferente de Salazar. Encheu os cofres, sem dó nem piedade pelo povo mais pobre. Essa desumanidade dos yuppies Passos e Portas levou à indignação dos mais frágeis do tecido social. Foram estes yuppies que entregaram em salva dourada a maioria parlamentar a uma coligação que não existia, mas por eles foi criada: a maioria de esquerda.
Que pretende agora cada um dos protagonistas da situação política actual?
Cavaco quer não entregar o governo aos comunistas do PCP e BE, porque tem consciência que o PREC se repetirá.
A Catarina e o BE sofrem da síndrome ‘somos os maiores, isto é só o começo, vamos instaurar o nosso regime’. Irão sempre apresentar-se, como já estão a fazer, como os líderes da coligação, pelo menos no plano ideológico. Começaram já a despejar propostas de lei demagógicas, e que valem apenas pela demagogia que transportam. Quando a sua liderança neste novo PREC for colocada em causa, farão valer a aritmética: a falta que os seus votos fazem para aprovar seja o que for.
O PCP já percebeu a estratégia do BE e impediu a assinatura de um acordo de governo a três com o BE e o PS. Os comunistas precisam de liberdade para agir e fá-lo-ão através dos sindicatos que são seus e a única forma que terão para enfrentar o BE e mesmo o PS quando for altura de medir forças.
O PS é um partido político financeiramente falido e precisa ser governo para evitar o escândalo da falência. Para ser governo arriscará tudo. Cederá em tudo o que for necessário ao PCP e ao BE. Além disso, Costa quer a honra de ser primeiro-ministro, como qualquer outro dirigente partidário.
Passos e Portas talvez tivessem podido evitar um governo de maioria de esquerda se tivessem aceitado uma coligação com o PS, oferecendo a Costa o lugar de primeiro-ministro.
Desde há muito tempo que a maioria dos portugueses não vota ou vota no mal menor. Isto não é viver, mas sobreviver.
Ou o próximo presidente da república convoca eleições já em 2016, com os inconvenientes que daí resultam, ou teremos inevitavelmente um governo de maioria de esquerda que, neste caso, será um governo submetido à ideologia e prática comunista do PCP e do BE, porque o PS tem de ceder para se manter no governo.
Em 2016 ou quando for, as próximas eleições serão mais a sério. E no estado em que o governo Passos-Portas deixou o país, bastarão meia dúzia de medidas para cimentar um governo de maioria de esquerda: alterar a manigância da forma de cobrança do IUC, des-fiscalizar as dívidas nas portagens, na saúde e no ensino, mostrar respeito pelas pensões e reformas dos idosos e facilitar a vida aos jovens mandados emigrar e mais umas quantas incongruências.
Quando a Catalunha trabalha arduamente para a separação de Espanha, fazer ondas não será o que mais interessa a Portugal. Mas quem se lembra hoje de 1640? O 1º de Dezembro já nem é feriado nacional!