Pais e mães desleixados
A paternidade e a maternidade são dons para serem vividos em ambiente familiar. Ser pai ou mãe é um ministério, um serviço prestado, neste caso aos filhos. Este serviço sofre com frequência duas patologias graves. Pais e mães que confundem serviço com escravidão e prestam um mau serviço aos filhos porque em vez de os servirem, educando-os e ajudando-os a crescer em todos os aspectos, se tornam voluntariamente escravos dos filhos, tornando-os ditadores mesquinhos e caprichosos, a quem os pais e mães satisfazem todos os desejos, por piores que sejam. Outra situação grave que ocorre é o desleixo do ministério, ignorando-o. Estão neste caso situações de pais descuidados, ocasionalmente ou recorrentemente, que depois se queixam do azar, da ineficiência das forças policiais e, quantas vezes, acabam a ganhar dinheiro com as desgraças que ocorrem, incluindo à custa de agentes policiais que procedem às investigações. Quem sofre são mesmo as crianças.
Um grupo de escuteiros da zona de Sacavém esteve recentemente de visita a uma paróquia também na área da Grande Lisboa. Despediram-se cerca das oito horas da noite, tinha já escurecido há mais de uma hora. A despedida ocorreu num lugar ermo, no adro da igreja visitada. A mãe da Mariana veio buscar a filha e trouxe a filha mais pequena, que estava a dormir quando chegaram e quis ficar no carro. A mãe acedeu e saiu para ir buscar a filha escuteira, deixando no carro o bebé, com menos de dois anos, mas também a sua mala de mão. Os escuteiros fizeram festa na hora de se despedirem e a mãe foi ficando, ficando, ficando...
Entretanto a bebé acordou, abriu a porta do carro, buzinou, mas não comoveu os ouvidos da mãe descuidada. Chegaram pessoas, eu, um amigo e uma família, que não conheço. A bebé acabou por não abandonar o carro para ir passear naquele ligar ermo e escuro, onde até cursos de água existem.
Tentámos encontrar os acompanhantes da bebé mas sem sucesso. Fotografei o carro, a matrícula e o bebé. E preparava-me para chamar a polícia quando surgiram a Mariana e a mãe. Ao ver pessoas junto ao seu carro, a senhora alegremente, como quem tenta dar a volta por cima, interrogou, sem evidenciar constrangimento:
- Acordou, foi? Está a chorar?
- Não. Abriu a porta, podia ter fugido e buzinou - respondemos.
- Não posso acreditar.
Sem agradecer, nem fazer mais comentários, antes murmurando ralhos ao bebé, a senhora colocou os cintos de segurança às filhas e foi embora.
Já uma vez encontrei um bebé a vaguear na noite. Chamei a polícia, a situação foi esclarecida e tudo acabou em bem, com os pais a reconhecerem a sua culpa. Este caso foi diferente. Deixo um conselho a quem passe pela mesma situação: não hesite em chamar de imediato a polícia. Os responsáveis passarão provavelmente uma provação difícil perante a polícia e a segurança social, mas o bem estar das crianças merecem-nos essa atitude. E andar mais tarde a escrever uma novela sobre as razões porque as crianças, bebés tantas vezes, são abandonadas ou se foi apenas um azar que aconteceu aos pais, só serve para alimentar a comunicação social e trazer padecimentos às crianças, quando não a morte.
As crianças não são objectos de decoração para os pais e as mães, não são um adorno como é o colar de pérolas ou o piercing. As crianças não são para alegrar uns momentos na vida dos adultos e mostrar aos amigos, as crianças não são para descarregar na creche, na escola, em casa de uns e de outros, nos escuteiros ou no carro abandonado, com as portas fechadas ou as portas abertas.
O problema não se resolve evitando ter crianças porque não se tem jeito para elas, mas aceitando o dom e o ministério.
Orlando de Carvalho