Não há prioridade nas filas - a Lisboa do Terceiro Mundo.
- A senhora está para esta fila?
- Sim, estou.
- Mas a senhora é prioritária. Está com um bebé no carrinho. Não tem de esperar. Pode passar.
- Não posso, as pessoas começavam todas a ralhar.
- Vai no 76. Eu tenho a senha 77. Sou a seguir. Eu vou dar-lhe passagem.
Ela, de olhos no chão, segurava a pega do carrinho de bebé, tentando passar despercebida.
Os outros que aguardavam a sua vez e se apercebem da minha conversa não mostram um rosto muito satisfeito.
Chamam: 77!
Aproximo-me. E informo:
- Tenho a senha 77, mas aquela senhora, com o carinho de bebé, tem prioridade.
A senhora olha para o chão. Os outros utilizadores do serviço não se manifestam.
Alguns segundos mais e a funcionária, olhando a senhora, chama:
- A senhora prioritária!
E a senhora avançou e foi atendida. Depois agradeceu-me.
No mesmo estabelecimento, alguns meses antes, eu e a minha mulher já fomos acusados de levar os netos connosco só para passar à frente na fila. E tinha eu, em tempos, pensado que uma lei a consagrar a prioridade de deficientes, pessoas com bebés... não fazia sentido, porque era uma coisa óbvia!
Orlando de Carvalho